Por Fabrizia Bonfietti Pitol
Mais conhecida como cidade eterna, Roma não é somente uma expressão de história, cultura, culinária, arquitetura, cinema, moda, pintura e tantas outras artes, mas também da antiga crença romana, que independentemente de qualquer coisa, jamais deixaria de existir.
E assim, como seus habitantes ou turistas, fui refém da beleza “da mozzare il fiato” (de tirar o fôlego) desde o primeiro dia que caminhei por suas vielas e grandes vias, ou pelos museus que cortam a cidade ou levam à ela.
Ao que tudo indicada, foi amor à primeira vista, e sim, ele existe! O primeiro contato com tamanha grandiosidade se deu no ano de 2018, na época em que, por alguns meses, estive na Itália para obter minha Cidadania Italiana.
Talvez ali, a partir dessa imersão, tenha aflorado literalmente o Ius Sanguinis já despertado na busca de documentos para o reconhecimento da Cidadania Italiana e pensei, ainda reviverei esta experiência (ou sonho) algum dia.
Este desejo ficou guardado em mim desde então, e, silenciosamente, foi construindo uma ponte e ladrilhando a estrada que gostaria de seguir para o concretizar. A estrada ou caminho escolhido novamente à Roma foi o do estudo, seja do idioma e, por que não do Direito?
Estranha ou coincidentemente, na Faculdade de Direito, minha matéria preferida nos primeiros anos de graduação era Direito Romano. Exato, quem não se dedicou aos casos envolvendo Caio, Mévio e Tício, entremeados por brocardos jurídicos em latim ou não leu “A Cidade Antiga” de Fustel de Coulanges, entre outras obras?
Foi assim que, unindo paixão, dedicação, disciplina, persistência e resiliência, tomei a decisão de buscar conhecimento na fonte do Direito Codificado Ocidental, e me inscrever num Curso de Master (pós-graduação) em Direito Internacional Privado (Diritto Privato Europeo) na Itália, com duração de 1 ano e meio, na Universidade de La Sapienza di Roma.
Conversei com aluna, e ex aluno do doutorado da Sapienza que haviam passado pela experiência e encarei o processo. Entre idas e vindas em todas as instituições de ensino em que estudei; cartórios; tradutores e consulado, obtive toda a documentação necessária de acordo com o edital e, após meses de espera, a tão esperada lista de aprovados estava ali. Meu nome estava lá. Que momento, meus amigos!
Eu sabia que mesmo diante de uma pandemia que me impedia de atravessar o oceano e viver onde mais esperei, não seria empecilho para me fazer retroceder na estrada. Foi assim que aproveitando o caminho ainda do Brasil, em fevereiro de 2021, muitas vezes com olhos abertos, pois o fuso horário me obrigava a acordar as 4 horas da manhã pelo horário de Brasília para acompanhar as aulas on line, as sextas e sábados o dia todo, durante cerca de 7 meses.
Após esperar por todas as vacinas do COVID-19, a abertura das fronteiras, obter licença não remunerada no trabalho – sou servidora pública – peguei meus passaportes, coloquei “a vida” em 2 malas de 23kg, acionei a coragem e parti sozinha, para Roma.
Aterrizei na minha nova cidade em 04 de outubro de 2021, sabendo que muita coisa nova me esperava a partir daquele outono e a estrada continuaria dali, mas agora pavimentada com “i sanpietrini”, pequenos paralelepípedos que revestem as ruas em Roma, sob os meus pés.
A partir dali o contato com a língua e a cultura se intensificaram, além do networking e aprendizado aprofundado, de excelência, ligado à minha área de atuação, agregaram muito à vida profissional. É impressionante como as discussões de sala de aula refletiam depois no Direito Brasileiro, como a LGPD envolvendo casos práticos emblemáticos, entre outras.
De fato, pude constatar que os italianos, e europeus, no geral, são pioneiros em precedentes judiciais e enfrentamento de temáticas que nos fazem refletir e ter dificuldade de retornar ao ius solis (aplicável, em regra, no Brasil).
Deste dia em diante, além do acesso a bibliotecas, seminários e muito conteúdo programático, quando tinha saudade de Caravaggio, poderia ir até uma das Igrejas que abrigam suas obras e revê-las graciosamente, em poucos minutos ou perder horas admirando as esculturas de Bernini na Piazza Navona.
Encarar o frenesi romano do trânsito; dos turistas e revisitar a Fontana de Trevi (onde joguei uma moeda em 2018 pedindo para voltar); o Pantheon; o Gianicolo; o Coliseu; o Circo Máximo; deparar-me com a majestosidade da Basílica de São Pedro no Vaticano; rezar em tantas outras basílicas papais e igrejas com tetos; afrescos e relíquias de suspirar. A sensação é a de estrar dentro de um livro de história e vivendo um filme diante do Castel Sant’Angelo.
Roma é assim, nos faz nos perder entre os “vicoli” (pequenas vielas) do centro, mas encontrar a felicidade na segurança de andar a qualquer hora pelas ruas sozinhos e despreocupados, sem pressa, pensando no cornetto e no capuccino da esquina; na conversa com senhores locais nas praças de bairro ou no aperitivo antes do almoço ou do jantar.
Aliás, falando em bairro, o que ganhou meu coração em Roma foi o Testaccio, escolhido despretensiosamente em um site de locação para temporada e que me presenteou com um novo time de futebol, i Giallorossi, La Roma. Mas, o assunto futebol é polêmico e daria um outro texto para o blog. Não tem como não se empolgar quando se fala de Itália.
Embora il dolce far niente nos dias vagos tenha feito eu me esquecer do estresse do trabalho no Brasil, sentia a necessidade de ser útil e ganhar algo para me ajudar nas despesas em euro. E, considerando minhas limitações para exercício da profissão em qualquer país (meu trabalho me impedia de fazê-lo, mesmo licenciada), no primeiro local que entrei e conversei, fui contratada.
Era por meio período, para não comprometer os estudos. E, então, estava eu ali, como commessa (vendedora) em uma loja de sapatos e acessórios femininos no bairro de Testaccio. A experiência foi enriquecedora devido ao contato diário com a língua, questões contábeis e atendimento ao público, além de ter ganho uma das melhores amigas italianas (a outra vendedora, romana), com quem mantenho contato até hoje.
Nessas ocasiões, percebia a importância da Cidadania Italiana trazida pelos meus antepassados. Tudo àquilo era possível e facilitado por eu ser cidadã italiana.
Nos dias e períodos vagos, escrevia o meu Project Work (trabalho de conclusão de curso), que deveria ser apresentado oralmente para uma banca de examinadores em italiano, de costas para um auditório lotado, no início de abril de 2022.
O trabalho de conclusão de curso consistia na escolha de uma sentença de um dos Tribunais de Justiça Europeus, a qual deveria ser comentada quanto aos fatos e problemática jurídica envolvida, de forma fundamentada e de acordo com as Diretivas da União Europeia.
O tema por mim escolhido foi “Violazione all´obbligo di verifica del merito creditizio del consumatore: sanzioni ai creditori secondo la Direttiva 2008/48/CE del Parlamento Europeo e del Consiglio, del 23 aprile 2008” (Violação da obrigação de verificação do crédito concedido ao consumidor: sanções aos credores, segundo a Diretiva 2008/48 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23/04/2008).
A matéria abordada está relacionada ao superendividamento do consumidor por meio de contratos de mútuo bancário, a necessidade de educação financeira e preservação do Bloco Econômico Europeu, a qual é atualmente objeto de preocupação de juristas também em nosso país, previsto na Lei nº 14.181/2021 – Lei do Superendividamento.
Inesquecível a coroação com os louros da aprovação em abril de 2022, tanto pelo desafio pessoal quanto profissional e pelo enfrentamento e superação de nossos limites pessoais que, acredite, nem nós mesmos sabemos que somos capazes até descobri-los.
Posso descrever minha experiência de formação pessoal e profissional como eterna, como Roma, por ser inesquecível e nunca deixar de existir em mim. Quem passa por uma experiência internacional sabe que sempre ficaremos dividimos e, teremos uma segunda casa, também eterna.
Portas e janelas se abrem na vida profissional, já que as universidades italianas, oferecem muitas oportunidades por meio de cursos com viés mais prático e profissionalizante, como o Master, que disponibiliza plataformas de intermediação entre alunos, empresas e instituições ligadas à área, como a AlmaLaurea (base de currículos), além de bolsas de estudos para estrangeiros e até mesmo italianos e europeus.
Os planos romanos e europeus não pararam por ai. Como diz o ditado: Roma não foi construída em um dia. Então, aguardemos o que está porvir e, quem sabe, voltemos a nos falar e contar histórias ”di o col cuore” (de ou com o coração).
E você, já escolheu que estrada seguir? Convido-os a acessar o mapa, seguir as direções do caminho e, sobretudo, seu coração, que assim como o meu, pode ser italiano. E, daje, su! (expressão romana que significa: e vamos, para cima).
Fabrizia Bonfietti Pitol é paulista e mora em São Paulo, Capital. É formada em Direito pela Universidade Mackenzie, pós graduada em Direito Tributário pela PUC-SP e pela Università Sapienza di Roma em Diritto Privato Europeo. Foi advogada contratualista e consultiva em empresas antes de ingressar no TJSP como assistente jurídico em 2012, ocupando o cargo até os dias de hoje. Viveu em Roma por 1 ano (final de 2021 e meados de 2022) em busca de conhecimentos e desafios profissionais, qualidade de vida e resgate de suas origens italianas. Instagram @fabripitol